Algum tempo depois...



Algum tempo depois, quando julgava já ter feito o que me cabia e continuava pelos trilhos que me levavam ao de sempre, percebi que ainda não vivera, não o bastante e seguramente que não de forma a que valesse a pena recordar. Passei a questionar quem era no agora e que pessoa me tornara, quando na maioria das vezes era tão invisível, movendo-me de forma mecânica, dizendo as mesmas piadas e chorando com os filmes que via uma e outra vez, como que a tentar colocar-me numa outra realidade que não a minha. Algum tempo depois de ter percebido, de forma instantânea dirão alguns, mas demasiado tarde para mim, que passaria a sentir a vida a fugir-me sem que mais nada me restasse fazer a não ser arrepender-me do quão pouco a vivera, quebrei, chorei por mil anos e parei. Os por-do-sol são agora mais grandiosos e já não voltarei a perder nenhum, até que mais nenhum dia reste. O sol continua a nascer para que o veja, mesmo quando as nuvens me ensombram o desejo de o sentir, enquanto me queima a pele e me recorda de que ainda estou viva e que ainda sou eu até que termine. Os silêncios são cada vez mais ruidosos porque os pensamentos, os sonhos e os desejos que engarrafei para usar mais tarde, já não terão como me acompanhar. As vozes somem-se e deixo de ouvir as palavras que me pareceram sempre as mesmas e que agora sei não me terem ensinado nada, ou tão pouco que não encontro em nenhuma a capacidade de me arrancar a dor que ficou e que permanecerá até ao tempo e momento de deixar de sentir. Algum tempo depois, quando finalmente processei o que me dizia quem me entregava a sentença para uma pena curta, sem possibilidade de recurso e com pequenas e inseguras previsões, quase que me vi forçada a reconfortar quem não aparentava saber o que fazer com a minha finitude. Algum tempo depois, percebi que já não me restava tempo que bastasse para amar incondicionalmente quem ansiaria por mais umas quantas horas, e que acabaria defraudado, pilhado de mim e arrependido de ter acreditado que iria cumprir à risca, o que prometera e que passara apenas por poder ficar por aqui, sendo, por mais algum tempo, a âncora, o porto em dias de tempestade e o abrigo que nada nem ninguém poderia derrubar. Algum tempo depois, percebi que deixaria de ter tempo, mas que mais nada me restava fazer, a não ser continuar, até eventualmente parar, ou melhor, ser parada.

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